*Airton Santos

Votada a primeira parte da reforma tributária, que consistiu, basicamente na aprovação do IVA (Imposto sobre o Valor Agregado), que deverá tornar mais rápida e eficiente a arrecadação, vem agora a parte mais complicada, que pretende obrigar os ricos a pagarem mais impostos. Essa fase deve suscitar uma longa e pesada queda de braços entre o executivo e o legislativo.

Os impostos têm duas importantes funções. Uma delas, a primeira que nos vem à mente, é o financiamento da atividade pública, ou seja, o funcionamento de toda máquina governamental e todo serviço que presta à sociedade só é possível com o recolhimento dos tributos, sejam eles federais, estaduais e municipais.

A outra função dos impostos, tão necessária quanto a primeira, diz respeito à distribuição de renda. Desse ponto de vista, e obedecendo ao que se conhece como equidade fiscal, os tributos devem ser exigidos na proporção da capacidade de pagar do cidadão. Assim, aqueles que recebem mais rendas, que possuem mais propriedades e consomem mais, devem pagar mais impostos que aqueles que não estão nesses mesmos níveis. Portanto, o sistema tributário deve ser progressivo, justo: paga mais quem tem mais.

O que é arrecadado deve voltar à sociedade e ser empregado em serviços públicos (saúde, educação, seguridade, mobilidade, segurança etc.) gratuitos para toda a população. Essa é uma transferência salutar de renda, que faz prosperar a população e, claro, o país. No Brasil, porém, isso não acontece. Nossa estrutura tributária é regressiva, injusta. Proporcionalmente, paga mais tributos quem tem menos condições. Essa regressividade na cobrança de impostos é um dos fatores que acabam aprofundando as desigualdades sociais.

Segundo o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), ligado ao Ministério do Planejamento, o 0,1% mais rico da população (210 mil pessoas), fica com cerca de 13% (R$ 1,56 trilhões) de toda a riqueza gerada no país, enquanto os 50% mais pobres (105 milhões de pessoas), ficam com apenas 11% (R$ 1,32 trilhões). O estudo aponta, ainda, que a renda dos ricos continua crescendo em velocidade muito maior que os ganhos do trabalhador comum. Em outras palavras, a desigualdade está aumentando.

A segunda etapa da reforma deverá concentrar-se na tributação da renda dos mais abastados. Uma das modificações será o retorno da cobrança do imposto de renda sobre os ganhos com a distribuição de lucros e dividendos para a pessoas física, isentos desde 1995. Essa medida atingirá a faixa de população mais rica, de proprietários e empresários que recebem esse tipo de remuneração. Não devemos confundir com o PLR (Participação dos Trabalhadores nos Lucros e Resultados das Empresas), remuneração paga aos empregados e que já recolhe, religiosamente, o imposto de renda, aliás, já descontado na fonte. Notem, uma vez mais, a injustiça de nosso sistema tributário: rico não paga, trabalhador paga. Mas, como dissemos, a briga não será fácil, uma vez que o Congresso é formado por muitos parlamentares que representam os interesses empresariais, em especial em relação à taxação de seus ganhos.

Outra questão que vem à tona nas discussões e que nos é muito cara, diz respeito às desonerações que beneficiam a classe média alta (pessoas que ganham R$ 30 mil ou mais por mês). Por exemplo, o abatimento, no imposto de renda, de despesas médicas, para essa faixa de renda, atingiu, em 2023, R$ 24,3 bilhões. Se esse valor fosse destinado ao custeio das despesas com a saúde pública, o retorno social seria bem maior.

Resta, no entanto, um dilema. Suponha que tudo dê certo, que o Congresso vote a favor do governo e se consiga taxar como se deve o pessoal do dinheiro e, com isso, as contas do governo passem do vermelho para o azul. Essa sobra de caixa reforçará as políticas públicas ou funcionará como uma reserva para garantir o pagamento de juros da dívida pública? Um seguro para os rentistas.

Vimos, então, que não é somente a dívida pública e os altos juros que ela paga que beneficia os ricos e aumenta a desigualdade no país. Nossa estrutura tributária, regressiva e injusta, faz coisa idêntica, protege os ricos e taxa os pobres. Muita coisa precisa mudar. Não podemos só assistir.

* Técnico responsável pela subseção do Dieese no Sindnapi