*Airton dos Santos

Vencida a eleição de 2022, a equipe de transição do futuro novo governo se pôs a trabalhar. Uma das preocupações desse pessoal era a de formatar um regime fiscal que contornasse a Emenda Constitucional do Teto de Gastos (ECTG). Para isso, criou-se o Regime Fiscal Sustentável (RFS), que atenuava a rigidez do ECTG, mas, levando em conta a correlação das forças atuantes no Congresso, desfavorável ao novo governo, manteve certas regras que limitavam a livre manobra da Política Fiscal, uma vez que impunham limites ao crescimento anual das despesas públicas primárias (que não incluem as despesas financeiras).

A ideia de teto de gastos permaneceu, mas seu conceito mudou. Iria funcionar, agora, com alguns graus de liberdade, pois passou a ser um ‘teto móvel’ de gastos. Uma saída conciliatória e negociada com as forças conservadoras. Em linhas gerais, o novo teto permite um crescimento dos gastos (primários) do governo de até 70% do crescimento anual da receita tributária, limitado a 2,5%.

Essa regra vinha acompanhada da exigência de se estabelecer metas de superávit fiscal, isto é, que os gastos primários devessem ser menores que as receitas obtidas com a arrecadação de tributos (‘receitas primárias’). Ou seja, exigia-se que sobrasse dinheiro nos cofres do governo, o que engendrava uma perigosa armadilha, pois, caso caísse a receita tributária, os gastos precisariam cair ainda mais, para a conta ficar no azul. E isso traz enormes consequências.

A primeira delas são os conhecidos ‘bloqueio do orçamento’ e ‘contingenciamento de gastos’. Essas medidas batem, como vimos há alguns meses, nas despesas com a Seguridade Social (previdência, assistência social, saúde entre outras) e na redução de recursos para os programas de investimentos públicos. Mas não para por aí, pois, se o contingenciamento e os bloqueios não forem suficientes para reequilibrar as contas e como o governo, por lei, não pode cortar os gastos obrigatórios, ele tem que se financiar aumentando a dívida pública e pagando mais juros, que devem subir, freando, assim, o crescimento da economia, constrangendo ainda mais a arrecadação de impostos e os respectivos gastos. Eis a armadilha.

Não podemos negar que toda essa engenharia tem claros traços neoliberais, pois tem o objetivo de reduzir o tamanho dos gastos públicos na economia. Num país desigual como o Brasil, a luta contra as desigualdades sempre teve nesses gastos sua arma mais importante, desta forma, diminui-los pode colocar parcela expressiva da população abaixo da linha de pobreza.

Enquanto isso, o governo tenta sobreviver enfrentando as pressões das correntes neoliberais, que insistem na austeridade dos gastos públicos e geração de resultados primários positivos, de um lado, e a pressão de suas bases eleitorais e partidárias, que trabalharam para sua eleição na esperança de uma expansão dos gastos para atender às necessidades sociais e desenvolver o país, de outro. Por enquanto, em termos reais, o governo parece estar se saindo bem, pois a economia cresce há dois anos acima das previsões do mercado, a arrecadação de impostos acompanha esse crescimento, a inflação está sob controle e o setor externo da economia, que sempre causa preocupação, está se saindo muito bem.

Mas pairam dúvidas no ar. As restrições fiscais tornam insuficiente o nível de gastos governamentais exigido para um crescimento mais robusto da economia, ficando pouco perceptível, por parte da população, todo o esforço nesse sentido, conforme mostram as pesquisas de opinião sobre o governo.

Para aumentar os gastos, a política fiscal de austeridade teria que ser abandonada ou, ao menos, relaxada, ao que o mercado e a imprensa conservadora logo iriam denunciar como um descontrole do governo. No outro front, da política monetária, a redução de juros parece pouco provável, pelo contrário, está aumentando, com o Banco Central justificando que o aumento é devido ao excesso de gastos do governo, isto é, a leniência do governo com as contas públicas. O paradoxo de tudo isso é que, o aumento dos juros não vai resolver o problema, pelo contrário, vai piorar, pois aumenta a dívida e reduz o crescimento da economia, obrigando o governo a reduzir seus gastos.

A redução dos gastos públicos não implica que os gastos privados vão aumentar, havendo assim, uma compensação entre um e outro e a economia continuaria a crescer. Não, pois os gastos do estado funcionam como indutor dos investimentos privados. Se, além da redução dos gastos públicos há, simultaneamente, elevação das taxas de juros, a tendência é de a economia estancar. Ora, se ninguém gasta e não investe, não haverá emprego, nem salários, nem crescimento. Isso parece ser óbvio. Ocorrerá sim, um aumento da concentração de renda e da desigualdade, pois os gastos com a seguridade social diminuirão, deixando os pobres mais pobres, e a alta dos juros deixarão os ricos ainda mais ricos.

Se isso de fato ocorrer, precisamos nos preocupar seriamente com as eleições presidenciais de 2026.

Economista – Subseção do Dieese no Sindnapi*

Out/2024