*Airton Soares

Imaginem a seguinte situação: você tem muito dinheiro, uma montanha de reais, digamos uns 8,5 trilhões. O que fazer com tanta grana … não posso deixá-la parada no banco, sem render nada. Então eu descubro alguém que quer tomar essa dinheirama toda emprestada e que irá me pagar 10,5% de juros, por ano, pelo empréstimo.

Aí eu começo fazer minhas contas e verificar se é lucrativo ou não emprestar. Bem, em primeiro lugar verifico quanto vou ganhar se fizer o empréstimo. Vejamos, R$ 8,5 trilhões a 10,5%, irá me render, arredondando, R$ 892 bilhões ao ano, ou R$ 74,38 bilhões por mês ou, ainda, R$ 2,5 bilhões por dia. A princípio, um negócio muito rentável.

Mas, e os riscos, quem é esse que quer meu dinheiro? Será que ele vai honrar o compromisso? Ah! Quem está interessado é o governo e com esse tipo de compromisso ele não falha, não atrasa nem um dia, portanto, o risco é muito baixo, só se acontecer algo extraordinário, mas isso está fora de questão, há tempos que não há sobressaltos nessa área. Bom, aí o negócio ficou ainda melhor … ganho uma fortuna sem fazer esforço. Genial!

Por que o governo precisa de tanto dinheiro? Porque, ao longo do tempo, não conseguiu pagar todas as suas despesas (educação, saúde, segurança, infraestrutura, seguridade social, transporte, funcionalismo, o próprio juro da dívida etc.) só com as receitas tributárias (impostos, contribuições e taxas), por isso precisou pedir emprestado à sociedade. Para isso ele vende títulos públicos que são adquiridos pelos bancos e pelas pessoas. Aí está a dívida e, como toda dívida, deve pagar juros. Quanto maior for a taxa de juros básica (SELIC), maior será a despesa do Tesouro com a dívida pública.

Vamos fazer uma simulação: hoje, com juros (Selic) a 10,5%, o governo, como já vimos, gasta R$ 892 bilhões por ano. Digamos que os juros caiam para 9,0% ao ano. Fazendo as contas, chegamos a R$ 765 bilhões, uma economia de R$ 127 bilhões ao ano. Isso quer dizer que, a cada 1% de redução de juros, o Tesouro Nacional deixa de pagar R$ 85 bilhões aos bancos e àqueles que adquiriram títulos públicos. Esse montante economizado poderia ser utilizado para coisas mais úteis à sociedade.

Nessas circunstâncias, você (bancos e ricos) estaria a favor da redução dos juros? Claro que não, a menos que seja um filantropo, alguém muito caridoso, coisa que você está longe de ser. Vamos mais longe, você estaria interessado em que o governo pagasse toda essa dívida? Também não, porque desejaria que matassem minha ‘galinha dos ovos de ouro’? Eu só desejo uma coisa, que os juros sejam pagos regiamente, sem que eu precise me preocupar. Quero segurança.

Mas, como conseguir essa segurança? Vou atrás e descubro que o governo tem três fontes de receita que me garantem o pagamento dos juros: os impostos que ele arrecada; uma dívida nova, emitindo novos títulos ou, em última instância, emitir dinheiro. No fundo ele faz as três coisas, um pouco de cada, a menor delas é a emissão de dinheiro.

Os impostos, porém, são a grande fonte de receita do governo, que ele utiliza para pagar suas obrigações, inclusive pagar os juros da dívida. Estamos agora, falando de algo que tecnicamente é chamado do ‘orçamento primário’. É parte do orçamento público que trata de todas as despesas e receitas do governo, menos as financeiras.

O que se quer desse orçamento é que esteja, no mínimo equilibrado e, melhor ainda, que seja superavitário, porque é daí que se obtém os recursos para pagar os juros da dívida. É a fonte do dinheiro que vai para as mãos dos bancos e dos rentistas. Como são recursos arrecadados com os impostos de todos os cidadãos, é fácil constatar que, ao pagar juros com esse dinheiro, o governo faz uma enorme transferência de renda de toda a sociedade para o setor financeiro. Dinheiro que poderia ser utilizado para saúde, educação, seguridade social, saneamento etc., vai, com o pagamento de juros, para a parcela rica da sociedade.

É por isso que eles não querem que mexam com isso, que se reduza a taxa de juros, que diminuam a dívida pública. É daí que eles multiplicam suas fortunas, às custas do restante da população. Se for para mexer, que faça com a previdência, com a assistência social, com a seguridade, com a saúde, educação, mas nunca com a dívida pública e os juros. Tirando dinheiro das áreas sociais, fazendo superávit no orçamento primário, eles vão ter a segurança que querem, e o recebimento dos juros estarão garantidos e as desigualdades aumentadas.

*Economista e técnico da subseção do Dieese no Sindnapi