ARTIGO: G20 Social – Superação das Desigualdades entre Mulheres e Homens

* Airton dos Santos

O Ministério do Trabalho e Emprego publicou relatório[1] sobre transparência salarial, utilizando-se de dados estatísticos da RAIS 2023 (Relação Anual de Informações Sociais). A publicação, no modelo de painel, traz informações acerca das desigualdades salariais, tanto de gênero quanto de raça, que permeiam o mercado de trabalho formal no país. Foram consideradas, para fins desse estudo, empresas que possuem 100 ou mais funcionários nos diversos setores produtivos da economia.

As mulheres representam 40% das pessoas empregadas em estabelecimentos com 100 ou mais empregados. Embora ocupem 40% dos cargos, os rendimentos recebidos pelas mulheres correspondem a 34,1% do total da massa salarial. Os homens, por seu turno, ficam com 60% dos empregos e 65,9% da massa de salários.

Se pensássemos numa distribuição equânime entre os rendimentos de mulheres e homens, a distribuição da massa salarial deveria ser proporcional à participação de cada grupo no emprego, isto é, algo que se aproximasse de 40% para as mulheres e 60% para os homens.

O quadro a seguir fornece alguns detalhes quanto às diferenças salariais por raça, etnia e gênero. As informações referem-se a 50.692 estabelecimentos em todo o Brasil e abarca 18.040.401 vínculos empregatícios.

Diferenças Salariais por Raça, Etnia e Gênero
Raça, Cor e GêneroQuantidade de VínculosRemuneração Média (R$)
Mulheres7.187.9133.565,48
Mulheres Negras3.254.2722.745,76
Mulheres Não Negras3.933.6414.249,71
Homens10.852.4884.495,39
Homens Negros5.325.8793.493,59
Homens Não Negros5.526.6095.464,29
18.040.4014.125,77

 Fonte: Painel do Relatório de Transparência Salarial – RAIS/MTE – (setembro de 2024)

O quadro nos permite obter várias importantes conclusões.

  • A remuneração média das mulheres corresponde a 79% da remuneração média dos homens.
  • A remuneração média das mulheres negras chega a apenas 64% da remuneração média das mulheres não negras.
  • A remuneração média dos homens negros representa, também, 64% da remuneração média dos homens não negros.
  • A remuneração média das mulheres negras é a metade (50,2%) da remuneração média dos homens não negros. (Essa é a maior diferença de gênero e etnia que o quadro mostra). 
  • A remuneração média das mulheres negras representa 78% da remuneração média dos homens negros.
  • A remuneração média dos homens negros situa-se em 82% da remuneração média das mulheres não negras.
  • As mulheres negras ganham um salário médio que atinge apenas 66% do salário médio de todos os brasileiros.

A partir do Censo de 2022, realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), foi divulgado um estudo que analisou 357 áreas produtivas e, em apenas 18% delas, as mulheres recebiam salários iguais ou superiores aos dos homens que exerciam a mesma função.[2]   

Essas desigualdades étnicas e de gênero que o quadro mostra é um recorte do que ocorre na sociedade. As estatísticas acima referem-se ao mercado de trabalho formal, em que os trabalhadores ainda têm alguma segurança no que respeita às leis trabalhistas e previdenciárias. Devem, ou espera-se, que exerçam suas funções em ambientes que preservem alguma qualidade de vida, já que a pesquisa concentrou-se em empresas médias e grandes (100 ou mais funcionários).

É importante lembrar, no entanto, que 40% da força de trabalho encontra-se na informalidade, sem nenhum amparo legal e previdenciário. São homens e mulheres, brancos e não brancos, cujo patamar salarial é muito baixo, mas que as diferenças de remuneração entre os gêneros seguem o mesmo padrão, ou até mesmo se aprofundam (se isso é possível), em comparação com o mercado de trabalho formal.

As desigualdades, principalmente para a população negra, homens e mulheres, não fazem parte somente do presente, elas têm origens na infância, na qualidade das escolas, da saúde, da habitação, da alimentação, das oportunidades e do puro preconceito. Essas desigualdades vão acompanhá-los na velhice.

Salários baixos implicam em baixas contribuições para a previdência social. Assim, num cálculo intuitivo, conclui-se que essa desigualdade salarial que se verifica na vida ativa, deve prosseguir na vida inativa, depois da aposentadoria. Os benefícios concedidos às mulheres serão inferiores àqueles pagos aos homens. Quando olhamos a questão pelo lado étnico e de raça, percebemos que o caso é ainda mais grave. As mulheres negras estão, na comparação, no ponto mais baixo da escala, pois são as que recebem menores salários e, por isso, contribuem com percentagens menores para o INSS e, portanto, terão benefícios menores quando deixarem de trabalhar.

Mesmo que os critérios de concessão de aposentadoria, tanto por idade quando por tempo de contribuição, favoreçam as mulheres, não compensam as diferenças salariais que carregaram durante toda a vida laboral. A exigência de menos tempo de serviço ou de idade para a aposentadoria das mulheres mal compensa a dupla, e às vezes, tripla jornada que exerceram durante todo o período em que trabalhavam ombro a ombro com os homens.

Por tudo isso, é mais que necessária e bem vinda a Lei de Igualdade Salarial (Lei 14.611/2023), que obriga as empresas a promoverem a equiparação dos salários de todos os trabalhadores, independentes de raça, cor ou gênero. A Lei exige, também, que as empresas publiquem semestralmente relatórios de transparência salarial e seu descumprimento acarreta multas e ressarcimentos. Há de se fiscalizar.

A realização do G20 Social, abordando o tema da desigualdade de gênero no mercado de trabalho, especialmente em relação às diferenças salariais entre mulheres e homens é auspiciosa, pois chama a atenção da sociedade para o problema, uma vez que ele é tão antigo que as pessoas, por vezes, acabam aceitando como normal e acabam quase que naturalizando essa grave anomalia.

Além disso, o G20 Social ajuda a repercutir a Lei 14.611/23, que veio, depois de muito tempo, enfrentar e tentar eliminar essa discrepância que só faz aprofundar as desigualdades econômicas e sociais que Movimento Sindical de há muito tem combatido.

*Economista e técnico da Subseção do Dieese no Sindnapi

nov/2024    


[1] Painel do Relatório de Transparência Salarial – RAIS 2023 e Respostas do 2º Semestre de 2024.

[2] “Benefícios pagos pelo INSS não fazem distinção de gênero”. (site: gov.br – Ministério da Previdência Social).